quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Punctum

Li certa vez, que a fotografia pode ferir.
Pode me mortificar. Seu punctum é uma picada, um corte.
Será que as fotografias ainda nos ferem?
Ou apenas lhes conferimos um banal olhar?
Indiferente.
Transformamos a fotografia num objeto de esquecimento?
Você ainda é ferido pela imagem?
A guerra, a fome, a morte lhe ferem?
Alícia

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Invisíveis

Sinto-me angustiada hoje. Todas as paredes comprimem-se ao meu redor. As vozes das pessoas me sufocam. Não quero ouvir. Saio a esmo pela cidade, buscando alívio no som dos motores dos carros. Buzinas. Vozes e músicas que se confundem. Barulho, só barulho, nada de palavras claras, frases significantes. Insignificantes. Fuga. Meus passos firmes pelas ruas são de fuga. É madrugada, e o ar gelado não cura minha angústia. A noite parece ter perdido seu efeito terapêutico sobre mim. Não há fuga. Paro para acender o cigarro e só daí percebo dois meninos no bar, circulando pelas mesas, tentando vender artesanato. Apenas eu os vejo? Alucinação. Ou todos os ignoram? Encosto-me num poste e observo os meninos. Um garçom me observa. Atitude suspeita. Seus traços... o artesanato, são índios. Aproximam-se e mostram o artesanato, logo saem, aparentando acostumados ao menosprezo. Fico triste ao vê-los em tal situação. A rua me sufoca. Um homem, sentado à mesa com um amigo, chama os meninos, conversa rapidamente e indica cadeiras para eles sentarem. Fico alerta, preocupada. O garçom se aproxima da mesa, o homem faz um novo pedido. Volta a conversar com seu amigo na mesa, volta e meia pergunta algo para os meninos, que respondem com acenos de cabeça ou monossílabos. Sempre olhando para o chão. Estou alerta. O garçom continua me observando. Acendo outro cigarro.
O garçom retorna à mesa, na mão duas sacolas com lanche e refrigerantes, entrega aos meninos. Estes pegam seus lanches e olham para o homem. Nada dizem. Não precisam, em seus olhos gratidão, não pela comida, mas por terem sido percebidos. Abaixo minha cabeça. Olho meus pés, e penso em nosso mundo, a caridade, de tão rara, torna-se suspeita. Os meninos andam em minha direção, passam por mim, sempre de cabeça baixa. Sigo-os com os olhos. Param logo em seguida, sob a marquise, logo atrás de mim, seus pais e mais um irmão no colo de sua mãe. Não os vi. As crianças entregam as sacolas aos pais. A comida é dividida.
Continuo minha caminhada, dividida entre a esperança, no gesto daquele homem e o medo de uma possível cegueira para as dores do mundo. O garçom me observa.

Isadora