sábado, 16 de maio de 2009

Novos traços

Nos parcos minutos que restavam da hora do almoço gostava de ficar por ali na praça, escrevendo, às vezes lendo. Ansiava por esse instante. Na escrita, encontro a plenitude, nada mais importa.
A avistei de longe, num banco próximo, lendo, parecia tão menina. Espiei o título do livro, filosofia, hum... interessante. Devia estar fazendo trabalho de escola. Se não fosse o livro não a notaria. Voltei para o meu caderno.
Novo dia, e lá estava ela, novamente lendo. Estranho. Uma pequena curiosidade surgiu. Tentava escrever, mas meus olhos a procuravam. Olhava seus traços, seu prazer com a leitura. Sorria ao ler determinado trecho, marcava. Fechava o livro, os olhos e sorria. Que livro estava lendo?
E assim passei duas semanas, desviando o olhar de meu caderno, para olhá-la, mas sem coragem de me aproximar.
Mais uma semana, olhei ao redor e não a vi. Sentei-me, peguei meu caderno e dei continuidade a minha escrita, logo o mundo ao meu redor sumiu. Só eu e meu caderno. Alguém sentou ao meu lado, ergui os olhos e ali estava ela, seu cheiro me invadiu. Sem jeito volto meus olhos ao caderno, buscando proteção, mas não adianta, teimosamente eles voltam para ela. Deveria falar algo... Não sei o que falar! Idiota!
A hora passou rápido. No dia seguinte esperei ela sentar num banco e sentei ao seu lado. Sem coragem de falar coisa alguma, mas sentindo o seu cheiro. Que patético! Não acredito que isso está acontecendo comigo.
‘Não vai falar nada?’
Assustei-me ao ouvir sua voz. Continuei sem fala. Nem um oi gaguejado. Sorrindo, ela continuou:
‘Estás me observando há um tempinho, hoje sentastes do meu lado...’
‘E-eu...’ Ácida? Estaria debochando de mim?
‘Eu, vi você sempre lendo, chamou minha atenção.’
‘Livros, minhas fugas. Uma fuga necessária!’
‘Sim, uma fuga...’
‘Preciso ir, tchau.’
‘Tchau’
Como fui idiota, e ela foi embora. Sinto-me só. Por que achei que ela poderia caminhar ao meu lado? Deve estar rindo de mim. Ácida. Interessante, cada vez mais interessante.
Mais um dia, olho ao redor e não a vejo. Termina o horário do almoço, e nada.
Dois dias se passaram e ela sumiu. Só me resta voltar para minha solitária escrita. O que eu esperava? Volto ao meu caderno, três dias de rabiscos. Ei, acorde, você tem muitas histórias para contar! É isso aí. Minha caneta voltou a deslizar sobre o papel, as letras e palavras se formando, ganhando coerência em minhas frases. Fecho os olhos e sinto o prazer da escrita me tomar.
Chegou a sexta-feira, voltei aos meus instantes extasiados de escrita, a menina, uma vaga lembrança.
‘Oi’
Ao ouvir sua voz, prendi minha respiração. Que ridículo. Meio sem jeito respondi:
‘O-oi’
‘Me espera aqui, às cinco?’
‘Cinco?’
Ela sorriu de forma matreira, sorrindo.
‘Hum, hum. Cinco.’
Ela está de sacanagem. Devia rir, e dizer: ‘eu não, estás louca?’ Mas só saiu:
‘Tudo bem, espero.’
Longa tarde... Pensei em não ir. Era alguma sacanagem, só podia. O que eu conversaria? Sobre livros, isso, isso. Ela gosta de ler. Mas só pensava em beijá-la, tirar sua roupa, depois conversar. Ela percebeu? Será que pensa o mesmo? Não trabalhei, só enrolei, só pensava nela. Um beijo, não seria nada mal.
Cheguei na praça e sentei no banco. Cinco e cinco. Cinco e dez, e nada. Fiz papel de idiota, levei um cano. Deve estar em algum lugar com uma amiga me olhando e rindo de mim. Que raiva! Foda, isso. Cinco e quinze.
‘Oi, desculpa a demora.’
Devia xingar, mandar à merda. Mas, de mansinho, apenas disse:
‘Oi’
Ela sorriu pra mim, maravilhoso sorriso. Prendi a respiração de novo. E num tom meio malicioso:
‘Moro aqui perto, vamos lá pra casa?’
Casa? Estou sonhando? Entendendo tudo errado? Chegamos a um pequeno apartamento, um quarto, sala-cozinha. Poucos móveis, funcionais, obviamente desprezados. Muitos livros, sobre o sofá, na mesa, no chão, empilhados, espalhados. Estes sim, obviamente necessários. Tentava ler seus títulos. Mas ela se aproximou de mim, olhando nos meus olhos, exigindo minha atenção. Hipnotizante. Toca o meu rosto. Seus dedos suavemente deslizam pelo meu rosto. Não escondo minha surpresa, mas desta vez estou sorrindo. E, também toco o seu rosto. Olha pra mim maliciosamente e diz:
‘Pegue.’
Ofereceu-me uma caneta. Não entendi o que queria com aquela caneta.
‘Pra quê?’
‘Você escreve, certo?’
‘Sim, mas...’
Ela interrompe minha fala, ao tirar sua blusa e o sutiã. Parei, olhando seus seios, sua pele branca, linda. Sonho? Realidade?
‘Vem, escreve em mim.’
Não, delírio. Não acreditei no que ouvi. Desejo e medo. Segurei a caneta e me aproximei, toquei seu rosto, e com as pontas dos dedos desci até seu pescoço, seus seios. Minha caneta hesita, faltam palavras, sobra paixão. Ela se aproxima de mim, e me beija, ardentemente. Afasta-se e sorri.
‘O que tens a dizer sobre mim? Vem, escreve, não quero esperar mais.’
Deixo as palavras virem:
“Estou de passagem em teu corpo, uma viajem que ansiava, mas dela só imaginava o banal. Contrariando-me, ofereces teu corpo para que eu me inscreva nele. Tua pele branca recebe essas letras, incertas, traços incoerentes, trêmulos no gozo que se aproxima...”
Minha mão já não conduz a caneta, desliza sobre sua pele, tento vencer o tremor. Ainda não terminei a minha escrita, mas o desejo toma conta de mim. Beijo-a e tento abrir o botão de sua calça. Ela me afasta. Ofegante, fico sem entender.
‘Não.’
Não compreendo o seu não.
‘Quero tua palavra, quero você se revelando em mim. Agora, meu corpo é para tua escrita.’
Olho pra ela e não acredito. Não acredito como ela pôde ver tão profundamente o meu eu. Olho para a caneta em minhas mãos. Toco o seu rosto, que agora está ansioso, temeroso. Sorrio. Suavemente a acaricio, e beijo seus lábios. Volto ao seu corpo e continuo a escrever. Já não caminho só. Ela está ao meu lado margeando a vida. Encontrei a escrita plena. Ela me chama:
‘Olha pra mim.’
Olhei, e ali nos encontramos, cúmplices. Ela se aproxima e me beija, ofegante. Agora, é seu corpo que está trêmulo, impaciente. Suas mãos percorrem meu corpo, tiram minhas roupas e se livram do que resta de suas roupas. Sussurrando ela me diz:
‘Me leia.’


Ariel