Gosto de caminhar pela cidade na madrugada. É bom sentir o frio da noite, respirar o ar limpo. Encarar os olhares bêbados, compartilhar a fuga da vida miserável. É na noite que nos encontramos. Durante o dia não nos enxergamos, olhamo-nos e não nos reconhecemos, mas fizemos da noite nosso ponto de fuga, espalhado por ruas, becos, trilhas e atalhos que formam uma teia rizomática de encontros e desencontros. Ninguém se perde na noite, ninguém se perde nas ruas e bares marginais da cidade.
Antes das dez horas a noite ainda é dos conformados, sujeitados, pouco me resta além de sorrir cinicamente para o casal calado na mesa do restaurante, comemorando seus dez ou vinte anos de casamento? Ou o tão esperado silêncio do outro? O casal de namorados, observando a silenciosa mesa vizinha, rindo e jurando que isso nunca acontecerá com eles. Mulheres exibindo a última moda, homens se orgulhando de sua última conquista, e por entre eles egocêntricas crianças buscando aplausos. Nada interessante. Depois vão ficando os bêbados, vazios. Essas pessoas, pouco me interessam. Interessam sim, os caminhantes, calados, solitários. Andam, param em um bar, em um muro, voltam a caminhar, não se fixam, buscam. O olhar é inquieto, aflito, anseia por outros caminhantes para compartilhar sua fuga, apenas por uma noite, não uma vida. Sabe que em suas vidas não almejam o tédio da eternidade, querem apenas o instante. Essas pessoas são interessantes, mas só as encontramos na noite, durante o dia são atores. Atuam em seus trabalhos e famílias, vestem os figurinos que lhes impõem, sufocam-se com sorrisos e amabilidades. Sofrem. É impossível reconhecê-los à luz ofuscante do dia. À noite os encontramos com sorrisos cínicos, suas folhas escritas, rabiscadas, seus livros velhos, suas roupas surradas. Parecem iguais? Todos únicos em suas falas, escritos, músicas, arte e loucura. Todos ansiosos pela noite limpa, silenciosa e fria.
Gosto de andar, respirar o ar frio, sentir a noite me envolvendo. Também sou caminhante. Também tenho um mundo em segredo dentro de mim.
Isadora
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