sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Último Dia

Ouvir as pessoas é isso que faço num bar. Desabafos? Não, não. Sento, ouço o burburinho, desconexo, livre, entremeado de risos e murmúrios, ora cúmplice, ora indiscreto. Deixo o labirinto de sons me tomar, até que uma voz se sobressaia e me conte sua história.

Foi assim que conheci Diego, logo após a ‘grande tragédia de 2008’, em uma mesa de bar contando sua história, seu grande momento na vida.

Os amigos, em silêncio solene, não por respeito, mas tomados por um estranho sentimento de inveja, uma mesquinha vontade de terem sobrevivido heroicamente a tragédia, e não em suas casas em frente a televisão. Oportunidade rara que passou por eles. Mas não para Diego, que com gestos teatrais conta como sua noite de domingo foi interrompida por uma enorme explosão que estilhaçou as janelas de sua casa. O susto o paralisou por segundos, mas percebendo o perigo, saiu correndo, conduzindo sua mãe pra longe, deixando para trás a televisão ligada no ‘Fantástico’, faz disso um momento de suspense. Não deve ter sido fácil abandonar o ‘show da vida’ para fugir da morte, perder seus minutos de inércia, deixar de preencher seu vazio interior com a programação televisiva.

Fora de casa se depara com a chuva torrencial e uma enorme labareda que subiam aos céus, o calor era insuportável. Diego faz uma pausa em seu relato, suspende o assunto, toma um gole de cerveja, baixa os olhos, feições sofridas e continua.

O calor e a chuva os impulsionam para frente, para a mata longe das labaredas. Não seria o medo, o desespero que o fizeram correr. Não. Heróis não tem medo.

Seu guia, uma antena televisiva no alto do morro. O fogo ficando para trás e a antena acenando como salvação. Nesse momento tinha certeza que o mundo estava chegando ao fim, e mesmo assim continua sua corrida pela mata, a chuva o cegando, os galhos o arranhando e o cansaço o consumindo. Uma fenda se abre ao seu lado, barro e pedras rolaram. Parou, olhando a fenda e não entende como não ficou embaixo daquele barro, como não deslizou para dentro da fenda. O mundo estava acabando, naquela hora ele teve certeza que foi um dos escolhidos para sobreviver. A menção, da certeza de que sobreviveria ao caos, fez seus amigos olharem para baixo, remexerem-se em suas cadeiras, preteridos novamente.

Ao chegarem em local seguro, só restou esperar. Seu carro, sua casa, seu computador ficaram para trás. Sua vida ficou para trás, mas ele não hesitou em correr, abandonar tudo. Seus amigos dão tapinhas em suas costas. Ele foi um herói. Deixou tudo para trás.

Encerrada a aventura de Diego, o futebol, a danceteria e o trabalho levam a conversa por caminhos já percorridos, monótonos, sem fogo, barro, estilhaços ou chuva. Os amigos relaxam o corpo, voltam a sorrir e contam suas aventuras no jogo de futebol que Diego não pode ir, tornam-se heróis agora. Míseros heróis do dia-a-dia.

Por que você foi escolhido?
Por sua rotina de trabalho, futebol, danceteria, namoro e inércia, seus amigos o esqueceriam em um ano, talvez sua família lembraria um pouco mais. No trabalho logo seria substituído. Afinal, a máquina não pode parar. Por que parar por tua causa? Por mim, ou por seus amigos?

O que restaria?
Um nome, uma lápide que jaz suja, puída e, por fim esquecida. Percebes que poderia ter sido seu último dia? E o que você fez além de seguir em frente, correr para o nada. Sua aventura, sua fuga na noite foi só a repetição de sua vida, uma corrida sem rumo para longe do fogo, da chuva, da vida.
Está valendo a pena?


Isadora

Um comentário:

Beli disse...

Entre as palavras de Isadora, tanta gente seguindo a fila planejada da felicidade, vidrados em suas TV's e esperando um futuro próximo sem muitas surpresas. Um herói é aquele que sobrevive, não o que reinventa, se busca e assusta por suas mudanças não esperadas por seus colegas. Que tédio, Diego!