terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Invisíveis

Sinto-me angustiada hoje. Todas as paredes comprimem-se ao meu redor. As vozes das pessoas me sufocam. Não quero ouvir. Saio a esmo pela cidade, buscando alívio no som dos motores dos carros. Buzinas. Vozes e músicas que se confundem. Barulho, só barulho, nada de palavras claras, frases significantes. Insignificantes. Fuga. Meus passos firmes pelas ruas são de fuga. É madrugada, e o ar gelado não cura minha angústia. A noite parece ter perdido seu efeito terapêutico sobre mim. Não há fuga. Paro para acender o cigarro e só daí percebo dois meninos no bar, circulando pelas mesas, tentando vender artesanato. Apenas eu os vejo? Alucinação. Ou todos os ignoram? Encosto-me num poste e observo os meninos. Um garçom me observa. Atitude suspeita. Seus traços... o artesanato, são índios. Aproximam-se e mostram o artesanato, logo saem, aparentando acostumados ao menosprezo. Fico triste ao vê-los em tal situação. A rua me sufoca. Um homem, sentado à mesa com um amigo, chama os meninos, conversa rapidamente e indica cadeiras para eles sentarem. Fico alerta, preocupada. O garçom se aproxima da mesa, o homem faz um novo pedido. Volta a conversar com seu amigo na mesa, volta e meia pergunta algo para os meninos, que respondem com acenos de cabeça ou monossílabos. Sempre olhando para o chão. Estou alerta. O garçom continua me observando. Acendo outro cigarro.
O garçom retorna à mesa, na mão duas sacolas com lanche e refrigerantes, entrega aos meninos. Estes pegam seus lanches e olham para o homem. Nada dizem. Não precisam, em seus olhos gratidão, não pela comida, mas por terem sido percebidos. Abaixo minha cabeça. Olho meus pés, e penso em nosso mundo, a caridade, de tão rara, torna-se suspeita. Os meninos andam em minha direção, passam por mim, sempre de cabeça baixa. Sigo-os com os olhos. Param logo em seguida, sob a marquise, logo atrás de mim, seus pais e mais um irmão no colo de sua mãe. Não os vi. As crianças entregam as sacolas aos pais. A comida é dividida.
Continuo minha caminhada, dividida entre a esperança, no gesto daquele homem e o medo de uma possível cegueira para as dores do mundo. O garçom me observa.

Isadora



5 comentários:

Ale disse...

Sair pela cidade dá a falsa sensação de alívio, por quê a cidade sufoca. Engraçado que não suporto cigarro, mas colocar os personagens acendendo um sempre dá um charme a mais pra situação... hehehehe.

Beli disse...

Observar, olhar...quem pode vê-los? Quem consegue vê-los já não mais como exóticos?

André Procópio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
André Procópio disse...

adoro foto, sou um dependente de imagens. Dependente no sentido de vício. Me agrada mais a idéia de fazer um filme, do que escrever um livro (como se fosse assim tão simples...)

******Obs: isto a respeito da foto das abelhas.

Muri. disse...

Lindo, lindo.
Por vezes me orgulho da atenção dada ao algo suspeito, especialmente envolvendo crianças, mas isso gera uma certa vergonha social pela necessidade de tal comportamento. Porém eu fico imensamente feliz quando vejo essas pessoas que nos fazem crer que a bondade sobrevive.