segunda-feira, 2 de março de 2009

Ruínas


Quando vi a antiga casa em ruínas, que por muito tempo tentaram manter incólume, estática, senti-me atraída por ela. Lá estava, abandonada, distante da rua, aos fundos do terreno, tijolos e telhas espalhados ao chão. Restos de vidas. Fragmentos dispersos de histórias não contadas. Mal contadas.
Perto dela impressionei-me pelo seu mau cheiro. Estranho, parecia há tempo abandonada. E, realmente estava. Em seu porão, gente, também abandonada, morava. Compreendiam-se em seu abandono.
Uma escada lateral, fez-me perceber que a frente da casa era em outra rua, paralela. Subi as escadas, desviando dos tijolos e janela caídos sobre a escada. A casa se desfazia. Diante da casa testei sua porta azul. Curiosamente trancada, entrei pela lateral, cuja parede já havia desmoronado. O ranger do assoalho me alertava para o perigo. Sim a casa poderia ruir. Não me importo. Também posso ruir, a casa não se importa. Vasculho os cômodos, vazios. Mas isso já esperava, o que incomodava era a ausência de sentido para eles. Não estavam apenas vazios de móveis, mas de recordações da história passada naqueles cômodos. A casa parecia ausente em sua própria história. Não senti tristeza, nem curiosidade, apenas compreensão. Despedia-se, pois seu tempo havia passado. Entendi sua partida. Continuo caminhando por seus cômodos, tristes. Apáticos. Deparo-me com uma escada incerta, que revela o céu. Soturno. Subo os degraus apodrecidos até o sótão, limpo, lavado pela água da chuva, iluminado pela luz do dia. Solitário em um canto, um sofá descansa. Sentei-me nele, e só então contemplei a ruína de minha vida. Como a casa, minha história já não ecoa em mim. Em algum momento, deixei o passado, ileso. Abandonado. O passado não me fere, nem incomoda. Apenas me é indiferente.
Permaneço sentada no sofá, observo a cidade em seu ritmo desenfreado. Muitos passam, ninguém nos vê. Eu e a casa nos entendemos em nossa ruína, como ela e seus moradores se compreendem em seu abandono. O telhado desmoronado oscila sobre mim, olho o céu coberto de nuvens cinza, densas. Uma tempestade se aproxima, penso em ir embora, mas permaneço. Não quero abandonar a casa, não quero ser mais uma pessoa a ignorar a sua história. Penso, que se eu sair e lhe der às costas, ela ruirá. Espero a chuva, que logo chega. A chuva nos banha. Suas águas sobre mim, renova-me, faz-me sorrir, lembranças felizes da infância, desejo de passado. Para a casa, invade suas entranhas, cava sua queda. Enterra seu passado.
Poderia esperar ruir junto à casa. Mas ao contrário dela, eu tinha um presente. Agora, a casa me sufoca.
Levanto-me, busco uma fuga. Já na sala, procuro o vão deixado pela parede ausente, mas a porta azul atrai minha atenção, e nela vejo uma chave. Pensando em respeitá-la abro a porta e saio, talvez seja a última pessoa a passar por ela. Sigo adiante. Também dou às costas a casa. Esqueço-a. A casa só restava um passado esquecido. A mim, um futuro a ser reinventado a cada manhã.


Isadora

2 comentários:

Beli disse...

Toca-me estas palavras...Por que fere a mim? Por que essas palavras? Por que não maquinizar? Por que minha cabeça pira, Isadora?

Ale disse...

reconheci a casa!!! fica na rua do cemitério são josé, atrás do posto, ahhhhh olho bom